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terça-feira, 23 de agosto de 2011

OSCAR FLORES, UM JOVEM ATORMENTADO: ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DOS ETHE DE UM PERSONAGEM



Artigo escrito e apresentado por José Antonio Ferreira da Silva no Grupo de Trabalho 12 - INTERFACES ENTRE LÍNGUA E LITERATURA EM SITUAÇÃO DE ENSINO do VII Seminário Nacional sobre Ensino de Língua Materna e Estrangeira e de Literatura. UFCG – Universidade Federal de Campina Grande.

OSCAR FLORES, UM JOVEM ATORMENTADO: ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DOS ETHE DE UM PERSONAGEM

S. Ferreira, José Antonio
Licenciado em Letras e Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa,pelo Instituto Superior de Educação de Pesqueira – PE (ISEP)
Professor de “Análise e Produção do Texto Acadêmico” e de “Português Instrumental”, no ISEP.
Instituto Superior de Educação de Pesqueira (ISEP)
j.antonio.ferreira@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo geral relatar como é constituído o ethos pré-discursivo e discursivo do personagem Oscar Flores no conto “A mais estranha moléstia”, de João do Rio, utilizando os conceitos do ethos na Análise do Discurso. Os objetivos específicos são identificar como é o cenário enunciativo, o tom, o caráter e a corporalidade apresentados no conto em torno deste personagem. A problemática apontada neste estudo é a de como este personagem é “corporalizado” numa imagem masculina no referido conto de João do Rio. Utilizou-se como metodologia a Análise do Discurso de Maingueneau (2005; 2008 a; 2008 b; 2009) para verificar como é a construção dos ethe do personagem presentes no conto.
PALAVRAS-CHAVES: Conto. João do Rio. Ethos. Análise do Discurso.

1 INTRODUÇÃO

O objeto de nossa análise é o conto, que é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho). Entre suas principais características estão: a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total. O conto precisa causar um efeito singular no leitor, muita excitação e emotividade. “No conto tudo importa: cada palavra é uma pista. Em uma descrição, informações valiosas; cada adjetivo é insubstituível; cada vírgula, cada ponto, cada espaço – tudo está cheio de significado.” (CEREJA e COCHAR, 2009: 289).
A mais estranha moléstia é um conto sobre um jovem atormentado por um olfato anormalmente aguçado. Escrito por João do Rio, pseudônimo literário de Paulo Barreto (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto), jornalista, cronista, contista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de agosto de 1881, e faleceu na mesma cidade, em 23 de junho de 1921. Notabilizou-se como o primeiro homem da imprensa brasileira a ter o senso da reportagem moderna. Como jornalista, foi um renovador histórico da imprensa brasileira, fundindo a reportagem e a crônica num novo gênero personalíssimo. Consagrou-se, também, literariamente. Como cidadão e artista, foi o arquétipo incomparável em sua época. Mulato, obeso e homossexual, ele sentiu na pele o preconceito contra suas diferenças, sendo desprezado publicamente por várias personalidades, e até mesmo vítima de uma covarde agressão física, enquanto almoçava, por um grupo de nacionalistas. Mas, ainda assim, ele convivia com a classe alta da época, e chegou até a ocupar uma cadeira da Academia Brasileira de Letras.
O texto que iremos analisar faz parte do livro Dentro da Noite, que foi lançado em 1911. Reúne onze contos, já publicados anteriormente em jornais, e outros sete inéditos. Trata-se de uma coletânea de relatos urbanos sensuais, sórdidos e fúnebres, que mostram um mundo de glamour que serve para contrastar com o sórdido, o feio e o sombrio existentes na cidade e no interior do próprio homem. Essa obra foi descrita por João Carlos Rodrigues, no prefácio da edição consultada, como “a maior coleção de taras e esquisitices até então publicada na literatura brasileira”. Seus contos tratam de diversas deformações sensoriais, inclusive sadomasoquistas, e seu clima opressivo e apavorante é cercado de sensualidade e elementos góticos. Como se percebe, essa coletânea é muito mais que uma simples compilação de costumes de uma época.
Por toda essa riqueza que representa o texto de João do Rio, temos com este artigo o objetivo de analisar e refletir sobre os esquemas de composição dos ethe (discursivo e pré-discursivo) utilizados pelo autor na composição do personagem Oscar Flores, no conto citado. Buscamos identificar ainda como é o cenário enunciativo: o tom, o caráter e a corporalidade constituídos a partir desse personagem, para, assim, tentarmos depreender a imagem masculina (corporalidade) construída pelo autor em A mais estranha moléstia. O arcabouço teórico desta análise, que se detém no enfoque do ethos discursivo, está ancorado em Maigueneau (2005; 2008a; 2008b; 2009).

2 DESENVOLVIMENTO

Com a nossa análise temos a intenção de observar as propriedades, as estratégias, os meios e efeitos linguísticos e discursivos utilizados pelo autor, já que:

(...) analisar textos é procurar descobrir, entre outros pontos, seu esquema de composição; sua orientação temática, seu propósito comunicativo; é procurar identificar suas partes constituintes; as funções pretendidas para cada uma delas, as relações que guardam entre si e com elementos da situação, os efeitos de sentido decorrentes de escolhas lexicais e de recursos sintáticos. É procurar descobrir o conjunto de suas regularidades, daquilo que costuma ocorrer na sua produção e circulação, apesar da imensa diversidade de gêneros, propósitos, formatos, suportes em que eles podem acontecer. (ANTUNES, 2010: 49)

Para isso faremos uma verdadeira decomposição para melhor entendermos elementos básicos da estrutura do texto, tais como: fatos, personagens, tempo, espaço e narrador. Paralelo a esse processo iremos buscar a identificação do ethos presente no conto, principalmente em torno do personagem Oscar Flores. Assim, o enfoque dos elementos discursivos faz-se de extrema importância para se atingir esse objetivo, visto que as escolhas lexicais realizadas pelo escritor se materializam através das marcas lingüísticas, e são responsáveis pela efetivação do ethos. Conceito que explicitamos abaixo.

Ethos – Termo emprestado da retórica antiga, o ethos (em grego ηθοζ, personagem) designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário. Essa noção foi retomada em ciências da linguagem e, principalmente, em análise do discurso, em que se refere às modalidades verbais da apresentação de si na interação verbal. (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008: 220)

Nessa perspectiva o ethos está ligado à palavra e não ao indivíduo real, é o sujeito da enunciação. Na Análise do Discurso temos como principal expoente dos estudos sobre o ethos, Maingueneau. Para ele, esse conceito nos permite uma visão mais geral da posição do sujeito em seu discurso. Ademais, o ethos se estende além dos enunciados orais, conforme podemos ler a seguir.

De fato, mesmo que o co-enunciador não saiba nada previamente sobre o caráter do enunciador, o simples fato de que um texto pertence a um gênero de discurso ou a um certo posicionamento ideológico induz expectativas em matéria de ethos.
Minha primeira deformação (alguns dirão ‘traição’) do ethos consistiu em reformulá-lo em um quadro da análise do discurso que, longe de reservá-lo à eloqüência judiciária ou mesmo à oralidade, propõe que qualquer discurso escrito, mesmo que a negue, possui uma vocalidade específica, que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio de um tom que indica quem o disse: o termo “tom” apresenta a vantagem de valer tanto para o escrito quanto para o oral: pode-se falar do “tom” de um livro. (MAINGUENEAU, 2008 a: 71-72)

Podemos entender então que o discurso escrito apresenta uma vocalidade específica, pela qual podemos construir o ethos. Ele se apresenta por meio de três características: tom, caráter e corporalidade. O Tom equivale ao discurso contido na enunciação; o caráter, entendemos como sendo o conjunto dos traços psicológicos, e a corporalidade, compreendemos como as características físicas e o modo de agir no espaço social (MAINGUENEAU, 2009).
Podemos dizer assim que em um discurso o ethos resulta da interação de vários fatores: do ethos pré-discursivo, do ethos discursivo (ethos mostrado) e dos fragmentos do texto em que o enunciador lembra a própria enunciação (ethos dito), diretamente (“é um amigo que vos fala”) ou indiretamente, por meio de metáforas ou alusões a cenas de outras falas (MAINGUENEAU, 2009: 270). Pode-se fazer a distinção entre o ethos pré-discursivo e o ethos discursivo da seguinte forma: o ethos pré-discursivo seria a imagem que o co-enunciador faz do enunciador, antes mesmo que este último tome a palavra para si.
Passemos à análise do conto pelo enredo. Numa estrutura comum à maioria dos contos de João do Rio, um personagem conta algo ao narrador. No caso aqui o relato do diálogo entre dois amigos, o narrador e Oscar Flores, esse um jovem atormentado por uma moléstia singular. O olfato desenvolvido a tal ponto que lhe modifica a vida e a forma como ele lida com o mundo em volta. A narrativa possibilita que identifiquemos que o narrador se apresenta em primeira pessoa, e é também personagem secundário. Vejamos o que dizem Platão e Fiorin sobre esse tipo de narrador:

Quando o narrador é um personagem secundário, observa de dentro os acontecimentos. Afinal, viveu os fatos relatados. O narrador conta o que viu ou ouviu e até mesmo se serve de cartas ou documentos que obteve. Não consegue saber o que se passa na cabeça dos outros. Pode apenas inferir, lançar hipóteses. O narrador pode ou não comentar os acontecimentos. (2007: 139)

Essas são características comuns do narrador em João do Rio: perscrutar a emoção alheia e gozar com ela. Para ele o narrador é um elemento que se torna essencial por ser um sujeito único, com uma oportunidade única de ouvir algo e ser a voz única a transmitir para alguém o que lhe foi confidenciado. Deparamo-nos com sua curiosidade em várias passagens, como, por exemplo, nesta: “– Então, Oscar, onde estás? É por isso que te caluniam...” (RIO, 2002:178).
Observemos agora o espaço que cria o autor. Podemos entender que “(...). Na narrativa, o espaço é o lugar onde se passa a ação. Articula-se com as personagens, podendo influenciar suas atitudes ou sofrer transformações provocadas por elas.” (CEREJA e COCHAR, 2009: 289). Dentro dessa perspectiva vale considerar a existência dos espaços físico e social. Esse relativo aos perfis socioeconômicos, morais e psicológicos que dizem respeito às personagens; aquele é o lugar onde acontecem os fatos que os envolvem. Porém, em se tratando de literatura, a visão do espaço transcende o puramente físico e social, passando pelo imaginário e simbólico até uma dimensão paralela. Conforme nos diz S. Júnior (2006: 33)

A literatura traga-nos a espaço estranho, à Quarta dimensão de um universo inexistente. São tempo e espaço paralelos. O mundo construído sendo outro e o nosso, num diálogo em que a imagem é marca que legitima a criação da existência inconcebível.

É o que vemos João do Rio fazer. Ele descreve muito bem os espaços físico e social, porém penetra também em uma dimensão mais etérea. Do ponto de vista físico o espaço é uma confeitaria, onde o narrador-personagem tem por hábito sentar-se com os olhos perdidos a contemplar os diversos movimentos da Avenida. Em relação ao social há uma rica descrição de ambientes que nos leva às características de uma época, pois somos transportados da dimensão espacial para a temporal. Vendo lugares e comportamentos comuns a um determinado momento histórico, sem esquecermo-nos do mundo glamoroso e metafórico que ele consegue descrever-nos, como em:

À beira das calçadas, a pouco e pouco os pingos de gás dos combustores formavam uma tríplice candelária de pequenos focos, longos rosários de contas ardentes, e era aqui o estralejamento surdo das lâmpadas elétricas de um estabelecimento; mais adiante, o incêndio das montras faiscantes, de espaço a espaço as rosetas como talhadas em vestes de arlequins dos cinematógrafos, brasonaundo de pedrarias irradiantes as fachadas. Ah! Os contos de fadas que são as cidades! Os meus olhos se fixavam na confusão mirionima das cores, vendo em cada roseta um caleidoscópio, sentindo em cada tabuleta o sonho postiço de um tesouro de Golconda, a escorrer para a semi-opacidade da noite de cascatas de rubis, lágrimas de esmeraldas, reflexos cegadores de safirinas, espelhamentos jaldes de topázios, (...). (RIO, 2002: 177)

No trecho citado João do Rio nos dá a certeza de que “Os lugares são perenes, as paisagens são instantes. O Espaço é a junção de ambos.” (S. JÚNIOR, 2006: 16).
Sabendo-se que o tempo ou época em que se passa a história em um texto literário pode ser indicado por marcadores temporais, formas verbais, ou pela própria sequência de eventos da narrativa que façam alusões ao tempo (CEREJA e COCHAR, 2009), observamos que o autor já começa o conto tecendo referências, em paratexto, à Belle Époque, como “(...) o momento verde, momento do aperitivo outrora absinto (...)” (RIO, 2002: 176). E pela própria sequência de acontecimentos vemos a configuração do tempo na lembrança de um evento “há quatro anos” (RIO, 20: 188), ou então ao ver “serem oito horas” e na “Avenida, centenas de lâmpadas elétricas acendiam a sua grande extensão no clarão da luz” (RIO, 2002: 189).
Passemos a observar a caracterização dos personagens, sendo que não nos deteremos no narrador. Nossa ênfase maior será dada ao personagem Oscar Flores. Comecemos, pois, refletindo no que diz Garcia:

Na prosa de ficção, a caracterização das personagens – sobretudo as mais complexas – em geral se vai delineando gradativamente, ao longo de toda a narrativa, pela acumulação dos traços físicos e psicológicos, revelados em breves e sumárias ou longas e detalhadas descrições da sua aparência física, dos seus gestos, atitudes, comportamento, sentimentos e idéias. (2006: 249)

É fácil perceber-se que é isso que faz João do Rio em relação ao personagem citado, ele o vai caracterizando ao logo do conto, tanto através do narrador-personagem quanto pelas próprias falas de Oscar Flores. Acompanhemos algumas passagens que justificam essa observação, primeiro por parte do narrador (RIO, 2002): “delicado Oscar Flores, um ente muito fino, muito sensível, do qual diziam horrores e que de resto parecia ter n’alma um fatigante segredo”, “E falavam tanto mal dele”, “com a sua palidez e as suas lindas mãos”, “Era encantadoramente lindo com o seu ar de adolescente de Veroneso, a pele morena, o negro cabelo anelado”, “rico e belo, com a sua bengala de castão de turquesa, a gravata presa de um raro esmalte, a atitude inquieta de um príncipe assassino e radiante”, “ és belo”, “tens espírito”, “ nem a beleza nem o espírito conseguiram reduzir-te à atroz banalidade de ser totalmente feliz”, “teu desequilíbrio é de fato de uma psicologia muito sutil, muito trabalhada”. Podemos considerar que todos esses apontamentos e descrições realizados pelo narrador em torno do personagem, além do próprio tom que o autor imprime em seus contos, ou seja, “relatos de taras e esquisitices” já constituem o ethos pré-discursivo do personagem, visto que, mesmo o ethos estando ligado ao ato de enunciação, não se pode ignorar o fato dos leitores construírem representações do ethos antes mesmo das falas de Oscar Flores, visto que o mesmo entra no enredo na condição de um jovem atormentado por um “segredo” do qual ainda nada se sabe, mas do qual já se fala mal.
Acompanhemos o que Oscar Flores diz de si mesmo, o que podemos chamar de ethos discursivo (ethos dito), ou seja, fragmentos do texto em que o enunciador evoca a sua própria enunciação. Vejamos as seguintes passagens: “Mas não tenho segredos”, “Tenho apenas a mais estranha moléstia nervosa que ninguém sabe”, “eu sofro desde criança”, e ainda:

A minha moléstia, o meu desequilíbrio, o império de um único sentido no meu organismo e nesta sensibilidade caldeada numa ascendência de requintados, deu-me da vida íntima uma prévia noção incorpórea, deslocou-me para um mundo de fantasia exasperante, fez-me o lascivo da atmosfera, o gozador das essências esparsas, o detalhador do imponderável, o empolgado da miragem da vida. (RIO, 2002)

Esclarece ele: “O olfato, apenas o olfato. Sou como o escravo, o ergastulado do cheiro”, “Sou a vítima do cheiro”. Contudo, após vários esclarecimentos clama: “eu sou um sujeito muito razoável e muito refletido”, tentando mudar o ethos que fora criado para ele. Mas ainda é possível localizar outro tipo de ethos que o personagem cria: o ethos mostrado, ou aquele que está no domínio do não explícito, que só pode ser seguido através das pistas deixadas. Entre as pistas que o personagem deixa, destacamos as várias vezes em que o mesmo reconhece que luta contra a moléstia, que a estuda, mas que, acima de tudo, é uma vítima do próprio destino, quando demonstra, além de um profundo desequilíbrio, várias esquisitices. Porém “a distinção entre ethos dito e ethos mostrado se inscreve nas extremidades de uma linha contínua, pois é impossível definir uma fronteira nítida entre o ‘dito’ sugerido e o ‘mostrado’ (MAINGUENEAU, 2009: 270)”.
A fim de explicarmos a forma como interpretamos o ethos que se constituiu no conto para o personagem, citamos a seguir o esquema proposto por Maingueneau (2008 b):












Dentro dessa perspectiva apresentada por Maingueneau, vejamos como a concepção de ethos é “encarnada”, isto é, quais são as suas determinações físicas e psíquicas (MAINGUENEAU, 2005: 98), e também como é “corporalizada” a imagem masculina do personagem. Para isso é preciso relembrar que todo texto escrito tem uma vocalidade que possibilita uma caracterização do corpo do enunciador a um fiador que, por meio do tom, atesta o dito (MAINGUENEAU, 2009: 271). Em outras palavras, as características que constroem o ethos são avalizadas pelo fiador, isto é, pelo discurso social que faz parte da memória do leitor, e que na leitura é ativado para validar ou não aquele ethos que se encontra na obra e que é formado ou transformado pelo leitor durante a leitura.
Mesmo em se admitindo que a percepção do ethos é complexa, pois depende principalmente da sensibilidade do intérprete, que o constrói a partir das informações absorvidas, dentre outras, através da materialização lingüística, podemos identificar o ethos criado por meio do entendimento do processo de “corpolarização” do personagem forjado pelo autor, que começa já pelo tom impresso ao livro do qual faz parte o conto, ou seja, o de ser “a maior coleção de taras e esquisitices até então publicada na literatura brasileira”. Isso faz com que o leitor já crie a expectativa de um personagem atormentado. Esse simulacro (estereótipo) vai se firmando pelos apontamentos do narrador, antes mesmo das primeiras falas de Oscar Flores, que já passa a ser visto pelo leitor como um jovem atormentado. Ao longo do conto o conjunto das características psicológicas, i.e., do caráter que vai sendo apresentado, reforça, pelas esquisitices narradas, a imagem do jovem desequilibrado, instável e com uma estranha moléstia, que até então vem sendo construída. Mesmo quando das falas do próprio personagem, que explicam que sua moléstia é uma hipersensibilidade olfativa, ele confessa também os desequilíbrios psicológicos e emocionais gerados pela enfermidade em questão. Mantendo-se, assim, o ethos e a imagem de um jovem atormentado.
No entanto, no que se refere à composição da corporalidade, i.e., a compleição física e a maneira de se vestir, o autor nos surpreende, pois contra a expectativa natural da manutenção da imagem negativa, ele apresenta-nos Oscar Flores como um belo espécime masculino. Com todos os atributos idealizados e desejados por e para o homem, quais sejam, ser bonito, rico e elegante. O autor chega a nos fazer crer que a moléstia apresentada pelo rapaz é apenas um capricho, “uma psicologia muito sutil”, quem sabe algo até normal. Finaliza dizendo que “talvez fosse na desvairada luxúria o grande sensual do ideal. E talvez não, talvez fosse um louco. Somos todos loucos mais ou menos”; deixando-nos a sensação de que para quem é rico, belo e bem vestido nada há de verdadeiramente anormal. É apenas o caso de um jovem atormentado. E quem não tem os seus tormentos...

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentemente do que ocorre na retórica tradicional, na concepção de Maingueneau o ethos não é visto como uma forma de persuadir, mas como parte da cena de enunciação. Para ele “(...) o ethos se mostra no ato de enunciação, mas não se diz no enunciado.” Sendo sua característica permanecer em um plano secundário da enunciação, devendo ser percebido, não, porém, ser objeto do discurso (MAIGUENEAU, 2009: 268). Na realidade, podemos perceber que a imagem masculina criada, e principalmente idealizada, por João do Rio para o personagem Oscar Flores revela um ethos criado e repetido há muito tempo, e que se materializa linguisticamente na forma de uma imagem masculina sonhada pelas mulheres e idealizada pelos homens. Mesmo através de um personagem que apresenta uma estranha moléstia, a imagem masculina que prevalece é a do rapaz encantadoramente lindo com o seu ar de adolescente de Veroneso, a pele morena, o negro cabelo anelado, rico e belo, com a sua bengala de castão de turquesa, a gravata presa de um raro esmalte, a atitude inquieta de um príncipe assassino e radiante. Essa é a imagem masculina que identificamos em Oscar Flores no conto A mais estranha moléstia.

REFERÊNCIAS

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Paulo Barreto (João do Rio) Biografia. Disponível em: Acesso em: 08 mar. 2011.

ANTUNES, Irandé. Análise de textos – fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

CEREJA, William; COCHAR, Thereza. Texto e Interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos. 3. ed. São Paulo: Atual, 2009.

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 17 ed. São Paulo: Ática, 2007.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005.

_____. Ethos, cenografia e incorporação. In: AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2008 a.

_____. A propósito do Ethos. In: MOTTA, Ana Raquel; Salgado, Luciana. Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008 b.

_____. Discurso Literário. São Paulo: Contexto, 2009.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 26. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

L.F. RIESEMBERG, L. F. Resenha crítica de Dentro de Noite de João do Rio. Disponível em: Acesso em: 22 mai. 2011

RIO, João. Dentro da noite. São Paulo: Antiqua, 2002

S. JÚNIOR, Alcides Mendes. Pa(lavras) em terra: forja e coifa de uma região. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006.








segunda-feira, 22 de agosto de 2011

OS TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO



Conhecimento consiste em uma crença verdadeira e justificada (Platão, 428ac a 347ac) – A forma de buscar as realidades vem do conhecimento, não das coisas, mas do além das coisas. Esta busca racional é contemplativa, isto significa buscar a verdade no interior do próprio homem.
“Conhecimento é a relação que se estabelece entre sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer.” Segundo Cortella (1999), o conhecimento é a relação na qual intervêm o sujeito e o objeto, não estando a verdade nem no sujeito, nem no objeto, mas precisamente na interação entre eles.
Por que conhecer?
O ser humano conhece basicamente movido por duas necessidades intrínsecas: sobrevivência e evolução.
Como conhecer?
O ser humano, assim como todo ser vivente, conhece o mundo ao seu redor através dos sentidos. Constata-se assim que, o conhecimento em sua manifestação mais elementar, é produto da percepção sensorial. Contudo, o ser humano vai além disto, pois produz conhecimento através do raciocínio. Cervo e Bervian (2004) explicam esta diferença entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual. O conhecimento sensível corresponde à apropriação física, “por exemplo, a representação de uma onda luminosa, de um som, o que acarreta uma modificação de um órgão corporal do sujeito cognoscente”. Observam que “tal tipo de conhecimento é encontrado tanto em animais como no homem.”. Já o conhecimento intelectual ou racional corresponde a uma representação não sensível, “o que ocorre com realidades tais como conceitos, verdades, princípios e leis”.
No processo de apreensão da realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode penetrar em todas as esferas do conhecimento: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de conclusões sobre a sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana; pode-se analisá-lo como um ser biológico, verificando através de investigação experimental, as relações existentes entre determinados órgãos e suas funções; pode-se questioná-lo quanto à sua origem e destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser criado pela divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.
Apesar da separação metodológica entre os tipos de conhecimento popular, filosófico, religioso e científico, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um cientista, voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de determinada religião, estar filiado a um sistema filosófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo conhecimentos provenientes do senso comum.
Para melhor entender cada um desses tipos de conhecimento, vamos inicialmente traçar um paralelo entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, para depois sinteticamente identificar o que caracteriza cada um deles.

O conhecimento científico e outros tipos de conhecimento
Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros tipos de conhecimentos existentes. Para tal, analisemos uma situação muito presente no nosso cotidiano.
O parto no âmbito popular (parteira) e o parto no âmbito da ciência da medicina (maternidade).
Tipos de conhecimentos que se encontram mesclados neste exemplo:
- Empírico, popular, vulgar: transmitido de geração em geração por meio da educação informal e baseado na imitação e na experiência pessoal.
- Científico: conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos científicos. Visa explicar "por que" e "como" os fenômenos ocorrem.

Correlação entre Conhecimento Popular e Conhecimento Científico
O conhecimento vulgar ou popular, também chamado de senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade, nem pela natureza do objeto conhecido. O que diferencia é a FORMA, O MODO OU O MÉTODO E OS INSTRUMENTOS DO CONHECER.
Aspectos a considerar:
A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.
Um objeto ou um fenômeno pode ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem comum. O que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação.
Tanto o "bom senso", quanto a "ciência" almejam ser racionais e objetivos.

Características do Conhecimento Popular
Se o "bom senso", apesar de sua aspiração à racionalidade e objetivo, só consegue atingir essa condição de forma muito limitada, pode-se dizer que o conhecimento vulgar, popular, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos.
"É o saber que preenche a nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo". (Babini, 1957:21).
Verificamos que o conhecimento científico diferencia-se do popular muito mais no que se refere ao seu contexto metodológico do que propriamente ao seu conteúdo. Essa diferença ocorre também em relação aos conhecimentos filosófico e religioso (ou teológico).
2
CONHECIMENTO POPULAR
Superficial - conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas.
Sensitivo - referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária.
Subjetivo - é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos.
Assistemático - a organização da experiência não visa a uma sistematização das idéias, nem da forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las.
Acrítico - verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.
Exemplo: A chave está emperrando na fechadura e, de tanto experimentarmos abrir a porta, acabamos por descobrir (conhecer) um jeitinho de girar a chave sem emperrar.

CONHECIMENTO FILOSÓFICO
É fruto do raciocínio e da reflexão humana. É o conhecimento especulativo sobre fenômenos, gerando conceitos subjetivos. Busca dar sentido aos fenômenos gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência. A filosofia encontra-se sempre à procura do que é mais geral, interessando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do universo. Para tanto, procura responder às grandes indagações do espírito humano, buscando até leis mais universais que englobem e harmonizem as conclusões da ciência.
Exemplo: "O homem é a ponte entre o animal e o além-homem" (Friedrich Nietzsche, 1844-1900)
Valorativo - seu ponto de partida consiste em hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação. As hipóteses filosóficas baseiam-se na experiência e não na experimentação.
Não verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados.
Racional - consiste num conjunto de enunciados logicamente correlacionados.
Sistemático - suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade.
Infalível e exato - suas hipóteses e postulados não são submetidos ao decisivo teste da observação, experimentação.

CONHECIMENTO RELIGIOSO OU TEOLÓGICO
Apoia-se em doutrinas que contêm proposições sagradas, valorativas, por terem sido reveladas pelo sobrenatural, inspiracional e, por esse motivo, tais verdades são consideradas infalíveis, indiscutíveis e exatas. É um conhecimento sistemático do mundo (origem, significado, finalidade e destino) como obra de um criador divino. Suas evidências não são verificadas. Está sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado. O conhecimento religioso ou teológico parte do princípio de que as verdades tratadas são infalíveis e indiscutíveis, por consistirem em revelações da divindade, do sobrenatural.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Real, factual - lida com ocorrências, fatos, isto é, toda forma de existência que se manifesta de algum modo.
Contingente - suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação e não pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico.
Sistemático - saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos.
Verificável - as hipóteses que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência.
Falível - em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final.
Aproximadamente exato - novas proposições e o desenvolvimento de novas técnicas podem reformular o acervo de teoria existente.


MÉTODOS CIENTÍFICOS
Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos.

Conceitos de método
"Caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo refletido e deliberado". (Hegenberg, 1976:II-115).
"Forma de selecionar técnicas e avaliar alternativas para ação científica". (Ackoff In: Hegenberg, 1976:II-116).
"Forma ordenada de proceder ao longo de um caminho". (Trujillo, 1974:24).
"Ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado". (Jolivet, 1979:71).
"Conjuntos de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade". (Cervo e Bervian, 2004:23).
"Caracteriza-se por ajudar a compreender, no sentido mais amplo, não os resultados da investigação científica, mas o próprio processo de investigação". (Kaplan In: Grawitz, 1975:I-18).

Desenvolvimento histórico do método
A preocupação em descobrir e, portanto, explicar a natureza vem desde os primórdios da humanidade, quando as duas principais questões referiam-se às forças da natureza, a cuja mercê vivia os homens, e à morte. O conhecimento mítico voltou-se à explicação desses fenômenos, atribuindo-os a entidades de caráter sobrenatural. A verdade era impregnada de noções supra-humanas e a explicação fundamentava-se em motivações humanas, atribuídas a "forças" e potências sobrenaturais.
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À medida que o conhecimento religioso se voltou, também, para a explicação dos fenômenos da natureza e do caráter transcendental da morte, como fundamento de suas concepções, a verdade revestiu-se do caráter dogmático, baseada em revelações da divindade. É a tentativa de explicar os acontecimentos através de causas primeiras, os deuses, sendo o acesso dos homens ao conhecimento derivado da inspiração divina. O caráter sagrado das leis, da verdade, do conhecimento, como explicações sobre o homem e o universo, determina uma aceitação sem crítica dos mesmos, deslocando o foco das atenções para a explicação da natureza da divindade.
O conhecimento filosófico, por sua vez, parte para a investigação racional na tentativa de captar a essência imutável do real, através da compreensão da forma e das leis da natureza.
O senso comum, aliado à explicação religiosa e ao conhecimento filosófico, orientou as preocupações do homem com o universo.
Somente no século XVI é que se iniciou uma linha de pensamento que propunha encontrar um conhecimento embasado em maiores garantias, na procura do real. Não se buscam mais as causas absolutas ou a natureza íntima das coisas; ao contrário, procuram-se compreender as relações entre elas, assim como a explicação dos acontecimentos, através da observação científica, aliada ao raciocínio. Da mesma forma que o conhecimento se desenvolveu, o método (a sistematização de atividades) também sofreu transformações.
O pioneiro a tratar do assunto, no âmbito do conhecimento científico, foi Galileu Galilei¹ (1564-1642), primeiro teórico do método experimental. Discordando dos seguidores do filósofo Aristóteles, (384ac – 322ac) considera que o conhecimento da essência íntima das substâncias individuais deve ser substituído, como objetivo das investigações, pelo conhecimento das leis que presidem os fenômenos. As ciências, para Galileu, não têm, como principal foco de preocupações, a qualidade, mas as relações quantitativas. Seu método pode ser descrito como indução experimental, chegando-se a uma lei geral através da observação de certo número de casos particulares. Os principais passos de seu método podem ser assim expostos: observação dos fenômenos; análise dos elementos constitutivos desses fenômenos, com a finalidade de estabelecer relações quantitativas entre eles; indução de certo número de hipóteses; verificação das hipóteses aventadas por intermédio de experiências; generalização do resultado das experiências para casos similares; confirmação das hipóteses, obtendo-se, a partir delas, leis gerais. Galileu Galilei parte do pressuposto de que o conhecimento científico é o único caminho seguro para a verdade dos fatos.
Ao lado de Galileu e Francis Bacon, no mesmo século, surge René Descartes² (1596 -1650). Com sua obra, Discurso do Método, afasta-se dos processos indutivos, originando o método dedutivo. Para ele, chega-se à certeza através da razão, princípio absoluto do conhecimento humano. Postula, então, quatro regras: evidência, que diz para não acolher jamais como verdadeira uma coisa que não se reconheça evidentemente como tal, isto é, evitar a precipitação e o preconceito e não incluir juízos, senão aquilo que se apresenta com tal clareza ao espírito que torne impossível a dúvida; análise, que consiste em dividir cada uma das dificuldades em tantas partes quantas necessárias para melhor resolvê-las, ou seja, o processo que permite a decomposição do todo em suas partes constitutivas, indo sempre do mais para o menos complexo; síntese, entendida como o processo que leva à reconstituição do todo, previamente decomposto pela análise, consistindo em conduzir ordenadamente os pensamentos, principiando com os objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, em seguida, pouco a pouco, até o conhecimento dos objetos que não se disponham, de forma natural, em seqüências de complexidade crescente; enumeração, que consiste em realizar enumerações tão cuidadosas e revisões tão gerais que se possa ter certeza de nada haver omitido.
Com o passar do tempo, outras visões foram sendo incorporadas aos métodos existentes, fazendo com que surgissem também outros métodos, como veremos adiante. Antes, porém, cabe apresentar o conceito de método moderno, independente do tipo.

Para tal, será considerado que o método científico é a ” teoria da investigação “ e que esta alcança seus objetivos, de forma científica,
quando cumpre ou se propõe a cumprir as seguintes etapas:
Descobrimento do problema - ou lacuna, num conjunto de acontecimentos. Se o problema não estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte; se estiver, passa-se à subseqüente;
Colocação precisa do problema - ou ainda, a recolocação de um velho problema à luz de novos conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos);
Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema - ou seja, exame do conhecido para tentar resolver o problema;
Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados - se a tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte, em caso contrário, à subseqüente;
Invenção de novas idéias - hipóteses, teorias ou técnicas ou produção de novos dados empíricos que prometam resolver o problema;
Obtenção de uma solução - exata ou aproximada do problema, com o auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível;
Investigação das conseqüências da solução obtida - em se tratando de uma teoria, é a busca de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, é o exame das conseqüências que possam ter para as teorias relevantes;
Prova ou comprovação da solução - confronto da solução com a totalidade das teorias e da informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte;
Correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta - esse é, naturalmente, o começo de um novo ciclo de investigação.


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Métodos específicos das Ciências Sociais
A maioria dos autores faz distinção entre "método" e "métodos", porém, se de um lado a diferença ainda não ficou clara, de outro, continua-se utilizando o termo "método" para tudo. Para fazer uma distinção entre os dois termos, chamaremos de métodos de abordagem quando se tratar de uma abordagem mais ampla, em um nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade.
Assim, teríamos, em primeiro lugar, os métodos de abordagem assim discriminados:
Método Indutivo - cuja aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão ascendente);
Método Dedutivo - que, partindo das teorias e leis, na maioria das vezes previa a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente);
Método Hipotético-Dedutivo - que se inicia por uma percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese.
Método Dialético - que penetra o mundo dos fenômenos, através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade.
Por sua vez, os métodos de procedimentos seriam etapas mais concretas da investigação, com finalidade menos abstrata e mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos. Dir-se-ia até serem técnicas que, pelo uso mais abrangente, se transformaram em métodos. Pressupõem uma atitude concreta em relação ao fenômeno e estão limitados a um domínio particular. São os que veremos a seguir, na área restrita das ciências sociais, em que geralmente são utilizados vários, concomitantemente.
Método Histórico - consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje. Para melhor compreender o papel que atualmente desempenham na sociedade, remonta aos períodos de sua formação e de suas modificações;
Método Comparativo - é utilizado tanto para comparações de grupos no presente, no passado, ou entre os atuais e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de desenvolvimento;
Método Monográfico - consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, instituições, condições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações;
Método Estatístico - significa a redução de fenômenos sociológicos, políticos, econômicos etc., em termos quantitativos. A manipulação estatística permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado;
Método Tipológico - apresenta certas semelhanças com o método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais complexos, o pesquisador cria tipos ou modelos ideais (que não existam de fato na sociedade), construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno;
Método Funcionalista - é a rigor mais um método de interpretação do que de investigação. Estuda a sociedade do ponto de vista da função de suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades;
Método Estruturalista - o método parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se, a seguir, ao nível abstrato, por intermédio da construção de um modelo que represente o objeto de estudo, retomando por fim ao concreto, dessa vez como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social.




Bibliografia complementar:

CERVO, Amado L.; BERVIAN, Pedro A. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

LAKATOS, Eva M.; MARCONI, Marina A.. Metodologia Científica. 6. ed. - 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.
¹Galileu Galilei (1564-1642). Físico, matemático e astrônomo Italiano; descobriu a lei dos corpos e os quatro satélites de Júpiter; aperfeiçoou o telescópio de Zacharias Janssen; visão heliocêntrica: o sol como centro do universo; fez a balança hidrostática - que deu origem ao relógio de pêndulo. Pioneiro da matemática aplicada, da física e da astronomia e do Renascimento Científico.
²René Descartes (1596 -1650). Filósofo, físico e matemático francês. Descartes institui a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado; Os seus trabalhos permitiram o desenvolvimento de áreas científicas como a geometria analítica, o cálculo e a cartografia. Criou o plano cartesiano: dois eixos perpendiculares entre si (eixo dos x; eixo dos y).

Fonte: www.jjsoares.com

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O QUE É O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO (PPP)



O PPP define a identidade da escola e indica caminhos para ensinar com qualidade. Saiba como elaborar esse documento
Noemia Lopes (noemia.lopes@abril.com.br)

Toda escola tem objetivos que deseja alcançar, metas a cumprir e sonhos a realizar. O conjunto dessas aspirações, bem como os meios para concretizá-las, é o que dá forma e vida ao chamado projeto político-pedagógico - o famoso PPP. Se você prestar atenção, as próprias palavras que compõem o nome do documento dizem muito sobre ele:

- É projeto porque reúne propostas de ação concreta a executar durante determinado período de tempo.

- É político por considerar a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir.

- É pedagógico porque define e organiza as atividades e os projetos educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem.

Ao juntar as três dimensões, o PPP ganha a força de um guia - aquele que indica a direção a seguir não apenas para gestores e professores mas também funcionários, alunos e famílias. Ele precisa ser completo o suficiente para não deixar dúvidas sobre essa rota e flexível o bastante para se adaptar às necessidades de aprendizagem dos alunos. Por isso, dizem os especialistas, a sua elaboração precisa contemplar os seguintes tópicos:

- Missão
- Clientela
- Dados sobre a aprendizagem
- Relação com as famílias
- Recursos
- Diretrizes pedagógicas
- Plano de ação

Por ter tantas informações relevantes, o PPP se configura numa ferramenta de planejamento e avaliação que você e todos os membros das equipes gestora e pedagógica devem consultar a cada tomada de decisão. Portanto, se o projeto de sua escola está engavetado, desatualizado ou inacabado, é hora de mobilizar esforços para resgatá-lo e repensá-lo (leia as dicas práticas). "O PPP se torna um documento vivo e eficiente na medida em que serve de parâmetro para discutir referências, experiências e ações de curto, médio e longo prazos", diz Paulo Roberto Padilha, diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo.


Compartilhar a elaboração é essencial para uma gestão democrática
Infelizmente, muitos gestores veem o PPP como uma mera formalidade a ser cumprida por exigência legal - no caso, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. Essa é uma das razões pelas quais ainda há quem prepare o documento às pressas, sem fazer as pesquisas essenciais para retratar as reais necessidades da escola, ou simplesmente copie um modelo pronto(leia os erros mais comuns).

Na última Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada no primeiro semestre deste ano, o projeto políticopedagógico foi um dos temas em destaque. Os debatedores lembraram e reforçaram a ideia de que sua existência é um dos pilares mais fortes na construção de uma gestão democrática. "Por meio dele, o gestor reconhece e concretiza a participação de todos na definição de metas e na implementação de ações. Além disso, a equipe assume a responsabilidade de cumprir os combinados e estar aberta a cobranças", aponta Maria Márcia Sigrist Malavasi, coordenadora do curso de Pedagogia e pesquisadora do Laboratório de Observação e Estudos Descritivos da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Loed/Unicamp).

Envolver a comunidade nesse trabalho e compartilhar a responsabilidade de definir os rumos da escola é um desafio e tanto. Mas o esforço compensa: com um PPP bem estruturado, a escola ganha uma identidade clara, e a equipe, segurança para tomar decisões. "Mesmo que no começo do processo de discussão poucos participem com opiniões e sugestões, o gestor não deve desanimar. Os primeiros participantes podem agir como multiplicadores e, assim, conquistar mais colaboradores para as próximas revisões do PPP", afirma Celso dos Santos Vasconcellos, educador e responsável pelo Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica, em São Paulo.
Os erros mais comuns
Alguns descuidos no processo de elaboração do projeto político-pedagógico podem prejudicar sua eficácia e devem ser evitados:

- Comprar modelos prontos ou encomendar o PPP a consultores externos. "Se a própria comunidade escolar não participa da preparação do documento, não cria a ideia de pertencimento", diz Paulo Padilha, do Instituto Paulo Freire.

- Com o passar dos anos, revisitar o arquivo somente para enviá-lo à Secretaria de Educação sem analisar com profundidade as mudanças pelas quais a escola passou e as novas necessidades dos alunos.

- Deixar o PPP guardado em gavetas e em arquivos de computador. Ele deve ser acessível a todos.

- Ignorar os conflitos de ideias que surgem durante os debates. Eles devem ser considerados, e as decisões, votadas democraticamente.

- Confundir o PPP com relatórios de projetos institucionais - portfólios devem constar no documento, mas são apenas uma parte dele.
Como fazer o PPP da escola
Segundo especialistas, a elaboração do projeto político-pedagógico precisa contemplar a missão, a clientela, dados sobre aprendizagem, relação com as famílias, recursos, diretrizes pedagógicas, plano de ação da escola
Noemia Lopes (noemia.lopes@abril.com.br)
Por ter tantas informações relevantes, o PPP se configura numa ferramenta de planejamento e avaliação que você e todos os membros das equipes gestora e pedagógica devem consultar a cada tomada de decisão.
Portanto, se o projeto de sua escola está engavetado, desatualizado ou inacabado, é hora de mobilizar esforços para resgatá-lo e repensá-lo.
Dicas práticas para elaborar o PPP
Certas estratégias facilitam a preparação, a revisão e o acesso da equipe ao projeto político-pedagógico:

- Não é preciso refazer a missão todo ano. Geralmente, ela dura de dois a cinco anos. Deve ser alterada quando a equipe percebe que os princípios já não correspondem às suas aspirações (os objetivos iniciais foram alcançados ou precisam ser modificados), a clientela é outra (aconteceram mudanças na comunidade) ou o contexto escolar teve alterações (introdução do Ensino Fundamental de nove anos ou a chegada da Educação Infantil ou de Jovens e Adultos). Esse trecho deve ser respaldado nos planos municipal ou estadual de Educação.

- Clientela, dados sobre a aprendizagem, recursos, relação com as famílias, diretrizes e plano de ação devem ser revistos e atualizados ao longo do ano - e isso pode ser feito durante as reuniões pedagógicas e institucionais, nos encontros do Conselho Escolar e na semana de planejamento. Para tanto, a cada encontro, defina quem será o responsável por sistematizar os dados e inseri-los
no PPP.

- A linguagem usada deve ser simples.

- O ideal é que o PPP seja montado em um arquivo eletrônico, no computador, e, depois de impresso, colocado em uma pasta arquivo para facilitar o acesso e as alterações durante o ano.

- Professores e funcionários podem receber cópias do documento, quando possível, para que consultem sempre que surgirem dúvidas.

- É interessante elaborar uma versão resumida para entregar aos pais no ato da matrícula.
- Organizar o PPP em um fichário facilita o manuseio, a conservação e a revisão ao longo do ano.
Nas próximas páginas, você vai conhecer detalhes de cada um dos tópicos indispensáveis do PPP e saber onde obter as informações e a melhor forma de organizá-las.
Definição da missão (ou marco referencial)
O que é?
Conjunto dos valores nos quais a comunidade escolar acredita e das aspirações que tem em relação à aprendizagem dos alunos. Precisa responder a perguntas como: "Para nós, o que é Educação?" e "Que aluno queremos formar?" Também pode ser chamado de marco referencial.

Por que é importante?
Define a identidade da instituição e a direção na qual ela vai caminhar. Se um dos objetivos é formar pessoas críticas e autônomas, deve-se investir na gestão participativa e em projetos em que todos os segmentos tenham voz e assumam responsabilidades.

Onde buscar informações?
Duas boas referências são os planos municipal e estadual de Educação, quando existirem na rede. Contudo, usá-los como base não exime a escola de detalhar os próprios valores. É preciso que a equipe gestora ouça a comunidade para estabelecer com ela os princípios desejados.
Como fazer?
Os princípios e valores da escola devem ser discutidos em reuniões pedagógicas ou institucionais (com os funcionários) e assembléias do conselho escolar, do conselho de classe e do grêmio estudantil. É papel do diretor participar de todos esses encontros, levar material bibliográfico que possa embasar as discussões e registrar o que foi debatido. Depois disso, a direção também deve fazer a redação deste trecho do PPP - levando em consideração o que dizem os planos municipal ou estadual de Educação, quando existirem -, compartilhá-lo com toda a comunidade escolar e acolher sugestões e críticas.

Como apresentar no PPP?
Em um texto sucinto e objetivo, que comunique a identidade da escola com clareza a qualquer leitor do documento, seja ele professor, funcionário, pai ou aluno.

Quem faz bem feito?
A EMEF Mario Quintana, em Porto Alegre, fica em um bairro sem saneamento básico e com altos índices de desemprego. "Fizemos um levantamento com as famílias para saber as expectativas em relação ao ensino dos filhos", conta a vicediretora, Silvana Conti. Com base nele, foi definido que o PPP seria construído sobre três bases: a Educação popular, para estimular o protagonismo e a participação política; a Educação ambiental, para formar alunos preocupados com o ambiente em que vivem; e o respeito à diversidade, a fim de ter uma comunidade centrada no respeito às diferenças. Os docentes formaram grupos de trabalho que, semanalmente, planejam ações que contemplam esses eixos.
Descrição da clientela
O que é?
Breve histórico da comunidade e da fundação da escola e um levantamento detalhado sobre as condições social, econômica e cultural das famílias.

Por que é importante?
Oferece informações para que a instituição elabore as diretrizes pedagógicas e defina a maneira pela qual vai se relacionar e se comunicar com a comunidade.

Onde buscar informações?
A melhor fonte é a ficha de matrícula (leia mais na reportagem), mas podem ser preparados questionários específicos ou feitas entrevistas com os pais.

Como fazer?
Paralelamente ao processo de elaboração da missão, o diretor deve reunir as informações de todas as fichas de matrícula (e de possíveis questionários complementares preenchidos pelas famílias), organizando-as em tabelas e gráficos por assunto (renda, escolaridade e profissão dos pais, cidade de origem, entre outros).
Para um resultado mais detalhado, pode-se dividir as informações sobre cada assunto também por séries e turmas. Tabulados e analisados os dados, é preciso apresentar o resultado parcial aos demais gestores e aos professores - ainda que faltem etapas para a conclusão do PPP -, de modo que todos conheçam a clientela atendida e possam pensar na melhor forma de desenvolver projetos pedagógicos e institucionais e se relacionar com as famílias.
Como apresentar no PPP?
Em tabelas ou gráficos que organizam os dados e ajudam na visualização das características importantes (como cidade de origem, faixa de renda, grau de instrução e profissão dos pais, religião e hábitos que cultivam). Eles devem estar acompanhados de textos analíticos. Vale lembrar que esta é uma parte do PPP que precisa ser revista periodicamente, pois pode haver mudanças na caracterização do público.

Quem faz bem feito?
A equipe da EMEF Ezequiel Fraga Rocha, em Aracruz, a 79 quilômetros de Vitória, tem cerca de 10% dos alunos morando em aldeias indígenas ou próximo a elas. Os demais vivem em outras áreas rurais e também na cidade. "A diversidade é tanta que reformamos nosso currículo e mudamos as diretrizes no PPP para contemplar de maneira mais ampla a história e a cultura das etnias aqui presentes. Com isso, visamos elaborar projetos que valorizem a origem dos alunos e os conhecimentos que trazem de casa, tornando a aprendizagem mais significativa", relata a diretora, Solange Siqueira Magalhães.
Levantamento dos dados sobre aprendizagem
O que são?
Informações quantitativas sobre matrículas, aprovação, reprovação, evasão, distorção idade/série, transferências e resultados de avaliações.

Por que são importantes?
Compõem um retrato da aprendizagem na escola e permitem aferir a qualidade do ensino. "Por trás de cada número de evasão ou repetência, está um problema de ensino que precisa ser solucionado", diz Regina Celi Oliveira da Cunha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Onde buscar informações?
Nos quadros de aprovação, reprovação e movimentação de alunos preparados para enviar ao Ministério da Educação (MEC) e à Secretaria de Educação, nos relatórios das avaliações externas e nas avaliações internas.

Como fazer?
Enquanto os dados sobre a clientela são tabulados (ou mesmo antes ou depois disso, caso julgue melhor), o diretor, junto com o coordenador pedagógico, deve reunir e tabular as informações sobre matrículas, aprovação, reprovação, evasão, distorção idade-série e transferências, e resultados de avaliações internas e externas. Aqui, também é necessário separar os dados em gráficos e tabelas (por assunto, séries e turmas), produzir textos analíticos sobre eles e depois compartilhar o material com o restante da equipe, a fim de permitir a localização de possíveis problemas e a definição de metas e ações.
Como apresentar no PPP?
Em tabelas ou gráficos por tema (como evasão e aprovação) e por disciplina (para mostrar a aprendizagem de uma área ao longo do tempo), acompanhados de análises.

Quem faz bem feito?
Uma das primeiras medidas que a equipe da EM Bernardo Ferreira Guimarães, em Rio Piracicaba, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, tomou ao começar a elaborar o PPP foram as planilhas de notas. "Detectamos baixo desempenho em Matemática e incluímos no PPP um projeto de apoio pedagógico no contraturno", conta Marisa Bueno de Freitas, diretora da escola, que especificou também os recursos necessários. Os primeiros resultados já aparecem: a maioria dos alunos que participam do projeto está com 70 a 90% de aproveitamento.
Estudo do relacionamento com as famílias
O que é?
A definição da maneira como os pais podem contribuir com os projetos da instituição e participar das tomadas de decisões.

Por que é importante?
A escola existe para atender à sociedade e a integração das famílias no processo pedagógico é garantida tanto pela LDB como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Onde buscar informações?
Cada projeto deve prever um tipo de participação (entrevista com os pais, ajuda na pesquisa etc.). Porém é preciso consultar os instrumentos de identificação da clientela para analisar a viabilidade das propostas.

Como fazer?
Enquanto realiza os três primeiros levantamentos, o diretor também já pode ficar atento à maneira com que a escola se relaciona com as famílias dos alunos, por meio dos instrumentos de identificação da clientela e de conversas com as famílias - seja nas reuniões de pais, no conselho escolar ou mesmo em eventos. Já nos encontros com a equipe, o gestor deve conversar sobre como está a parceria hoje e o que se espera construir no futuro, reflexões que, em seguida, o próprio diretor formaliza em um texto escrito.
Como apresentar no PPP?
Descrição do vínculo que se pretende construir, estabelecendo metas para o fortalecimento do Conselho Escolar e a presença nas reuniões de pais.

Quem faz bem feito?
Um dos desafios que a UE Doutor José Ribamar de Matos, em Vitória do Mearim, a 178 quilômetros de São Luís, enfrentou na formulação do PPP foi afinar a relação com as famílias. Havia dois obstáculos: as reuniões de pais tinham baixa frequência e não havia resposta quando a direção requisitava ajuda nas tarefas de casa. O primeiro foi superado com a mudança na pauta dos encontros. "Em vez de falar só de problemas, passamos a informar sobre os projetos e os avanços das crianças", relata o diretor, João Teixeira de Carvalho Neto. Já o segundo deixou de ser um impedimento para um relacionamento quando, ao analisar os dados da clientela, constatou-se que 65% dos pais têm escolaridade baixa - deixando claro que a pouca ajuda nos deveres não tem relação com a falta de interesse.
Pesquisa sobre os recursos
O que são?
Descrição da estrutura física da escola (prédios, salas, equipamentos, mobiliários e espaços livres), dos recursos humanos (composição da equipe, qualificação e horas de trabalho) e financeiros (Programa Dinheiro Direto na Escola, via Secretaria de Educação etc.) e dos materiais pedagógicos.

Por que são importantes?
Os inventários deixam explícitas as condições do espaço de que a escola dispõe para desenvolver os projetos, a formação atual da equipe e as necessidade de capacitação e quanto está disponível para reformas, construções, cursos, compra de material pedagógico etc.

Onde buscar informações?
É preciso fazer um levantamento de campo detalhado a respeito de cada uma das áreas - o que pode ser dividido com outros membros da equipe - e solicitar ajuda da secretaria da escola para coletar os dados sobre os funcionários (quantos são, o que fazem e a formação que têm).

Como fazer?
Para reunir todos esses números e informações, é recomendável solicitar ajuda dos colegas, como os profissionais da secretaria da escola (que podem ajudar com dados sobre composição da equipe, qualificação e horas de trabalho) e coordenadores pedagógicos (que sabem a estrutura e os recursos utilizados e almejados para os encontros de formação). O material coletado por eles deve ser somado às pesquisas que o próprio diretor conduz sobre os recursos físicos e financeiros e relatados também pelo gestor em um texto descritivo.
Como apresentar no PPP?
Por meio de relatos escritos sobre a estrutura física, de tabelas mostrando a quantidade e a qualidade dos recursos pedagógicos e humanos e de gráficos com as informações financeiras.

Quem faz bem feito?
Os espaços da EMEI Francisca Pinheiro Teixeira, em Cantagalo, a 182 quilômetros do Rio de Janeiro, ainda não são como a equipe gostaria, mas todos sabem que é importante relatar no PPP a estrutura atual e definir metas para o futuro. "Fizemos uma pesquisa com gestores, professores e funcionários sobre o que funciona e o que falta para melhorar o nosso atendimento. Temos uma sala de multimeios bem montada, mas nos falta uma sala de informática. Para consegui-la, definimos no PPP que vamos buscar ajuda na Secretaria de Educação", diz a orientadora pedagógica, Cássia Ravena Mulin de Assis Medel. Também são descritos os recursos pedagógicos e humanos, em especial a formação continuada e os cursos feitos pelos docentes, a fim de acompanhar a atualização profissional.
Estabelecimento de diretrizes pedagógicas
O que são?
Formam o currículo da escola e descrevem os conteúdos e os objetivos de ensino, as metas de aprendizagem e a forma de avaliação, por série ou ciclo e por disciplina.

Por que são importantes?
É baseado nelas que a equipe formula planos para implantar programas e projetos e produz indicadores sobre o impacto das ações. "As estratégias devem ser mantidas ou reformuladas de acordo com os objetivos da escola", esclarece Regina Célia Lico Suzuki, diretora de Orientação Técnica da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Onde buscar informações?
Nos dados de aprendizagem da escola, nos referenciais curriculares de Secretarias estaduais e municipais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), nos indicadores de qualidade e no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

Como fazer?
Esta é uma seção do PPP que deve ser conduzida pela coordenação pedagógica e pelos professores da escola, que mantêm contato mais estreito com as necessidades de aprendizagem dos alunos. Assim, o levantamento sobre a situação atual e o cenário desejável pode começar já no início do processo. Depois, cabe ao coordenador responsável pela pesquisa redigir os objetivos e conteúdos de cada área ou disciplina, bem como as expectativas e metas de aprendizagem por série e ciclo, e compartilhar e ajustar o texto com toda equipe.
Como apresentar no PPP?
Em forma de planilha, contemplando todos os itens (conteúdos, metas etc.) por série ou ciclo e por disciplina.

Quem faz bem feito?
Todo início de ano, a equipe da EMEF Conde Pereira Carneiro, em São Paulo, retoma os registros sobre a aprendizagem dos alunos e os compara com os resultados da rede municipal. Assim, nascem as primeiras propostas para o próximo período, contemplando projetos da Secretaria de Educação e os desenvolvidos pela escola. "Incluímos no PPP o que não consta nas diretrizes da rede. Depois da Prova São Paulo (exame de avaliação da rede paulista), recebemos devolutivas sobre o desempenho dos estudantes. Com base nelas, ajustamos nossas diretrizes e elaboramos materiais didáticos internos para trabalhar os conteúdos essenciais", destaca a coordenadora pedagógica, Maria da Conceição Marques Ferreira.
Elaboração do plano de ação
O que é?
Lista completa com todas as ações e os projetos institucionais da escola para o ano letivo.

Por que é importante?
Com base em tudo o que foi pesquisado e estudado nas etapas anteriores do PPP, estabelece o que será feito (na prática) em benefício dos processos de ensino e de aprendizagem para atingir os objetivos definidos inicialmente.

Onde buscar informações?
Em projetos que deram certo em anos anteriores, na própria escola ou em outras unidades com as mesmas necessidades de ensino, em livros de didáticas específicas e junto à equipe técnica da Secretaria de Educação.

Como fazer?
Esta parte do PPP deve, em especial, ser debatida com a equipe de gestores e professores. Assim, todos podem opinar sobre os projetos necessários ao processo de ensino e aprendizagem, conhecer o conjunto do trabalho que entrará em vigor na escola e oferecer ajuda e contribuição naquilo que for possível. Ao final dos debates, fica com os gestores a tarefa de redigir o texto que constará no projeto político pedagógico.
Como apresentar no PPP?
Os tópicos necessários em cada um dos projetos descritos são: objetivos, duração, profissionais responsáveis, parceiros, encaminhamentos, etapas e avaliação.

Quem faz bem feito?
À medida que surgem novas demandas, a EM Parque Piauí, em Teresina, revê o plano de ação do PPP e desenvolve projetos específicos. "Houve um período", conta o diretor, Julinho Silva dos Santos, "em que tínhamos problemas de baixa frequência. Em reuniões de equipe, elaboramos um projeto institucional para acompanhar de forma mais eficaz a presença dos alunos, além da tradicional chamada feita pelos professores. Passamos a entrar nas salas de aula todos os dias e a procurar as famílias." Também há projetos com ações pedagógicas, como um programa de rádio voltado ao aprimoramento da leitura e da oralidade - que, nos últimos anos, melhorou o desempenho das turmas em Língua Portuguesa e na compreessão dos textos em todas as disciplinas.
Comunicação à comunidade escolar
O documento final, com trechos de todas as etapas anteriores, deve ser enviado e submetido ao conselho escolar, para que os representantes de todos os segmentos possam sugerir possíveis alterações. Em seguida, o PPP deve ser divulgado a todos - uma cópia fica acessível na secretaria da escola, tanto para consulta como para atualizações ao longo do ano, e uma cópia é entregue à Secretaria de Educação.

FONTE: http://revistaescola.abril.uol.com.br/planejamento-e-avaliacao/planejamento/projeto-politico-pedagogico-ppp-pratica-610995.shtml