Novo episódio do Podcast Papo Filosófico

terça-feira, 30 de abril de 2013

Gramática, pra que te quero?!


Ouvir alunos do ensino fundamental e médio esbravejarem frases do tipo "Eu detesto português", ou "Eu já sei português, então pra que serve isso?" ou, pior, "Eu não sei português!" é algo muito comum no cotidiano dos professores de Língua Portuguesa. Sim, Língua Portuguesa, pois a aula não deveria ser de gramática, mas de Língua viva, real, do dia a dia. O português das gramáticas parece um idioma sem vida, empoeirado, algo que não se pode alcançar, de difícil acesso. Digo isso, pois é o que eu vejo no rosto de cada aluno meu quando tenho que repassar as regras para que eles possam ter êxito em concursos, por exemplo.
Acredito que pelo fato de saber um pouco mais sobre as temíveis nomenclaturas gramaticais eu me torne um ser admirável, de grande sapiência; às vezes, percebo no olhar da minha turma, formada por adultos, alguns bem mais velhos do que eu, um ar de fascínio ao mostrar a eles que há um tal sujeito oculto que difere do sujeito indeterminado, sendo que o sujeito é considerado um termo essencial da oração. Mas como ele pode ser essencial se, muitas vezes, não está lá? E o que dizer dos exercícios mecânicos e repetitivos de ortografia sobre o uso do "G" e do "J"? Mas deixemos de gramatiquices...
A pergunta que não quer calar é: por que insistem em cobrar regras, cheias de exceções? E os porquês? Na fala ele é apenas um, mas na escrita ele se desdobra em quatro. Talvez seja por isso que escrever de acordo com a norma padrão culta, para muitos, transforme-se em um grande tormento, uma prática surreal. Ter que lembrar qual tipo de "porque" usar, com certeza, destrói a inspiração de qualquer um. Talvez seja por isso, também, que os grandes escritores digam ter sido alunos não tão bons na disciplina e que hoje recorram aos revisores de textos para darem conta dessas estranhezas gramaticais.
Deveríamos, então, valorizar menos as regras e focar o ensino na prática de textos coerentes e coesos, pois do que adianta decorar uma lista de conjunções se na prática o "e" de adição pode funcionar também como adversativo? Que tal estudar gramática em textos reais e não em frases soltas expostas na lousa?
De que adianta os compêndios gramaticais instruírem que o verbo namorar é transitivo direto, ou seja, não aceita a preposição "com", se 10 entre 10 falantes dizem que a fofoca da semana é que aquela famosa namora com o galã mais cobiçado do país? E a magia de dizer que você prefere mil vezes a comida da sua mãe do que a daquele restaurante caro e badalado? Mas "preferir mil vezes" e usar "do que" é um erro crasso para muitos gramáticos.
Às vezes, chego a pensar que falar segundo a gramática normativa deixa a vida sem cor, sem emoção. Não dá para expressar muito sentimento dizendo no PB (português brasileiro) "Amo-te": parece que a ênfase está no "te" e não no ato de amar. Deve ser por isso que a licença poética existe e os artistas abusam e usam dos desvios gramaticais. Nesta ocasião, lembro-me do poema Evocação do Recife, do modernista Manuel Bandeira:
"[...] A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada [...]"
E já pensaram se o famoso jingle de uma marca de iogurte seguisse a norma padrão? Ficaria assim: "Dá-me, dá-me, dá-me, dá-me um Danoninho...". No mínimo estranho, não é? E a linda canção do poeta Cazuza, famosa na voz da saudosa Cássia Eller, ficaria "Quem sabe eu ainda seja uma garotinha ...". Não soou bem, não acham? É por isso que Renato Russo poetizou "[...] eu canto em português errado [...]": será mesmo? Isso porque a gramática normativa, ao pé da letra, se distancia muito da nossa fala corriqueira. E dá para acreditar que há alguns professores que insistem em utilizar tais gêneros para fazerem análises gramaticais?
Mas, respondendo à pergunta feita no título: bom, como já dito, ela ainda é muito solicitada em provas avaliativas em todo o país e questões sobre regência, concordância, uso da crase e dos porquês, que tanto atormentam aqueles alunos mencionados no início do texto, insistem em aparecer como forma de mensurar seu conhecimento sobre a nossa "última flor do Lácio, inculta e bela" - verso escrito, inclusive, por Olavo Bilac, que valorizava a arte pela arte e não a norma pela norma; pois, se assim fosse, com certeza a "última flor do Lácio" seria "muito culta e nada bela".
Assim, a função ímpar da escola precisa ser o de formar leitores e escritores competentes, escritores que saibam produzir textos além da mecânica redação para vestibulares, leitores capazes de compreender enunciados diversos e textos do dia a dia. Então, torcemos para que os professores saibam adequar as propostas de leitura ao seu público alvo e que os clássicos da Literatura sejam apreciados com deleite e não por imposição.
Logo, faz-se necessário adotar novas práticas de ensino e métodos didáticos eficientes: ambos devem ser prioritários para uma disciplina tão relevante no currículo escolar. Dessa forma, teremos estudantes apaixonados pela nossa língua, que por ser tão nasalizada merece o status de "língua do dengo", e não temida e repudiada pelas enfadonhas conjugações verbais e análise sintática.
*Carla Cunha é graduada em Letras/Inglês pela Universidade Salvador (UNIFACS), pós-graduanda em Gramática e Texto e tutora de disciplinas EaD e semipresenciais da UNIFACS.
Fonte: 

sábado, 27 de abril de 2013

Como avaliar os níveis de leitura na alfabetização de crianças




RETRATO
Ziraldo 

Nascido em 1932, Ziraldo Alves Pinto é um dos mais conhecidos cartunistas do Brasil, famoso principalmente pela criação do personagem Menino Maluquinho e de sua turma. Ziraldo tornou-se referência na literatura infanto-juvenil e é admirado como chargista também pelo público adulto.
RETRATO
Foucambert
Jean Foucambert é um professor francês, responsável pelo serviço de pesquisa no INRP (Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica) da França e um dos criadores da Associação Francesa pela Leitura (AFL). Propõe o termo leiturização como uma leitura crítica, não mera junção de termos.
“Ler é mais importante que estudar”.
A frase tem o respaldo de quem sabe o que está falando – Ziraldo, um dos mais bem sucedidos escritores de livros infantis no Brasil. Unem-se a Ziraldo outros escritores e educadores de expressão, como Monteiro Lobato, com sua já famosa frase “Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”, e Jean Foucambert, que diz que os “Alunos devem ser leiturizados, e não alfabetizados”.
O que tanto pais quanto educadores precisam ter sempre em mente – especialmente nos primeiros anos da alfabetização – é que aprender a ler não é o mesmo que aprender a decodificar as letras e conhecer a estrutura da língua; ler bem envolve a criação de uma relação profunda entre escrita e pensamento, que precisa ser tão natural quanto a relação entre a fala e o pensamento.
Para garantir que a alfabetização (ou a “leiturização”, como sugere Foucambert) está sendo efetiva, é necessário que adultos na escola e em casa assumam ativamente a posição de pesquisadores, analisando a evolução dos alunos para descobrir eventuais deficiências e poder saná-las o mais cedo possível.
Para tanto, é necessário que o professor ou responsável (que será chamado aqui de “pesquisador” por questão de simplicidade) tenha noção que a leitura se dá em pelo menos três níveis:
Leitura Objetiva: Trata-se do nível mais básico de leitura, o famoso “be-a-bá”, onde o estudante aprende a decodificar as letras e montar palavras e frases. Quando iniciando neste nível, a criança consegue reconhecer palavras e explicar o significado de frases curtas, sendo capaz de falar dos elementos explícitos do texto. À medida em que evolui, o aluno melhora seu domínio do texto, aumentando o vocabulário e reconhecendo elementos de ligação, sendo inclusive capaz de reconhecer eventuais falhas de coerência na história. Já na transição para o nível de leitura inferencial está a capacidade de situar o texto no ambiente em que ele ocorre, o contexto espacial e temporal da história.
Leitura Inferencial: Quando atinge este nível, o estudante se torna capaz de reconhecer não apenas o que está escrito, mas também deduzir elementos implícitos no texto. É o chamado infratexto, aquele conjunto de informações que todo bom leitor apreende sem se dar conta, mas que na verdade estão apenas sugeridos na história. Como esta capacidade inferencial está intimamente ligada à bagagem de conhecimento do leitor, ela se amplia conforme a quantidade de leituras realizadas, até que se chega finalmente ao nível da leitura avaliativa.
Leitura Avaliativa: Leitores que estão neste nível têm a capacidade não só de ler o texto e responder questões sobre o que está explicitamente ou implicitamente sendo dito, mas também de fazer conexões com outros textos e informações sobre os temas tratados aprendidas de outras fontes. É o que os pedagogos chamam de intertexto, e que no fundo é a capacidade do leitor de dar sua opinião do leitor sobre o texto baseada em suas experiências anteriores.
Quando avaliando o nível de leitura de um estudante ou uma turma de estudantes, o pesquisador deve tomar o cuidado de propor atividades que sejam lúdicas, em um ambiente natural e sem cobranças, até porque é essencial que a criança reconheça o hábito da leitura como algo prazeroso desde seus primeiros contatos com a língua escrita.
PARTINDO PARA A AVALIAÇÃO 
Nesta linha, uma boa dica é realizar estas atividades em quatro etapas:
Etapa de Motivação: Nesta etapa, o pesquisador deve se dedicar exclusivamente a estimular a curiosidade da criança sobre o texto a ser lido. Para isso, uma ótima tática é mostrar a capa do livro e o título do livro e perguntar ao estudante como ele acha que é a história do livro. Se não houver uma resposta objetiva, é possível mostrar algumas ilustrações ou dar sua opinião, sempre buscando mostrar o quão divertida deve ser aquela história. As perguntas que o pesquisador pode fazer nesta etapa são tipicamente inferenciais a partir do título e imagens da capa do livro, como: “Veja só este título, o que esta história deve contar?”, “Se você escrevesse uma história com este título, como ela seria?”, “Quem você acha que é o personagem principal desta história?”, “Onde será que esta história acontece?” e outras do gênero.
É essencial que o educador também leia, não apenas para dar o exemplo do que ensina, mas para auxiliar, assim, o desenvolvimento do gosto pela leitura no educando
Etapa de Leitura: Nesta etapa a criança deve ser deixada à vontade para ler o livro, sem pressa e sem nenhum tipo de comparação com outras crianças. Quando lendo na escola, devem ser evitadas questões como “Quem já acabou de ler?” para que os que leem mais lentamente não se sintam constrangidos ou compelidos a mentir sobre sua evolução; antes, o professor deve ir de aluno em aluno, acompanhando com os olhos e registrando em suas anotações aqueles que demoram mais tempo para poder realizar atividades de reforço nos momentos apropriados.
Etapa de Avaliação do Nível de Leitura: É neste momento que o pai ou professor deve agir mais ativamente como pesquisador, de forma a poder avaliar o nível de leitura da criança e poder dar atividades apropriadas a este nível. No caso dos professores, é essencial registrar as observações de forma a permitir que seja dada a atenção adequada a cada criança. Nesta etapa devem ser sugeridas atividades que iniciam nos níveis mais básicos de leitura, indo de maneira crescente até os níveis mais sofisticados - lembrando que as crianças não devem sentir que estão sendo cobradas ou avaliadas, mas sim que estão participando de uma conversa descontraída sobre o livro que leram.
Comumente, as perguntas do pesquisador devem, inicialmente, tratar dos elementos explícitos do livro, e ser bem objetivas, como, por exemplo: “Qual o nome do personagem principal?”, “Que idade tem ele?” ou “Qual é o bicho que é vizinho do sapo?”.
Gradualmente, as perguntas devem contemplar elementos menos explícitos no texto, chegando àqueles que podem ser inferidos a partir do que está escrito. Nesta parte, as perguntas começam a voltar-se mais para a opinião do leitor, como em “O que você acha que os pais das crianças descobriram no bosque, que fez com que eles ficassem tão espantados?”, “Que idade deve ter Aninha?” ou “Qual será a cor do bicho-folha?”.
Por fim, as perguntas devem chegar ao nível da leitura avaliativa, levando os alunos a darem sua opinião sobre os assuntos, explorando possibilidades e verificando sua capacidade de cruzar informações das histórias com informações de outras fontes. Nesta linha, perguntas comuns seriam: “Como será viver na terra em que vive o Papai Noel, onde faz tanto frio que a chuva congela e vira neve?”, “Alguém conhece outra história, ou alguma piada, que também fale sobre sapos?”, “Quem já viu algum filme que conte uma história parecida?”. Conforme as respostas, seguem-se perguntas: “Você acha que esta outra história se parece com a outra? Por quê?”, “Qual a diferença do sapo desta história para o sapo da outra?”, “A casa do Papai Noel deste filme se parecia com a do livro?”.
Fase de Consolidação dos Resultados: O trabalho do professor ou pai como pesquisador só se conclui com a consolidação dos resultados, porque, mesmo em se tratando de avaliar apenas uma criança, raramente se consegue uma posição definitiva com a leitura de apenas um livro. À medida que as forças e fraquezas da leitura da criança se tornam evidentes, cabe ao educador estimular a criança elogiando seus pontos fortes e trabalhando sutilmente seus pontos fracos, de forma a garantir sua formação como leitor independente.
Em um país onde o hábito de leitura ainda não faz parte da rotina de grande parte da população, os educadores devem conscientizar-se de que sua responsabilidade não é meramente alfabetizar as crianças, mas sim desenvolver nelas o gosto pela leitura que levarão pelo resto de suas vidas.
Para isso é essencial que o educador - seja ele o professor ou o responsável - também seja um leitor, não só porque a criança aprende muito pelo exemplo, mas também porque é impossível imitar o brilho no olhar daqueles que verdadeiramente amam a leitura, este brilho que é a maior inspiração no desenvolvimento destes novos leitores.
Nunca é tarde para descobrir o prazer da leitura... Então, qual foi o último livro que você leu, simplesmente pelo prazer de ler?
Por Alexandre Lobão é escritor, roteirista e realizador de Workshops de Escrita de Ficção. Informações: http://www.alexandrelobao.com |http://escritacriativa.net/3Wef