Novo episódio do Podcast Papo Filosófico

sábado, 4 de agosto de 2012

Formalismo X Funcionalismo, dois lados da mesma moeda

Estudos em linguística têm sido cada vez mais presentes na mesa dos teóricos em busca do melhor paradigma para entender a língua, mas isso parece não ser tão fácil assim


Na busca da melhor perspectiva de se trabalhar a língua, algumas dúvidas têm vindo à tona, como, por exemplo, em relação à aquisição da linguagem, cuja reflexão conceitual paira entre o behaviorismo e o inatismo.
Outro impasse surgiu com a dicotomia formalismo e funcionalismo, pois ora os estudiosos tentam escolher entre as duas vertentes, ora tentam interpretá-las unificadamente. Diante dessa preocupação, é mais conveniente conhecer cada um dos paradigmas de modo separado e, a posteriori, entender o porquê das críticas entre os seus seguidores.

A LÍNGUA COMO SISTEMA AUTÔNOMO 
A ideia da língua como sistema autônomo surgiu particularmente com a teoria gerativista, conhecida como gerativismo, ou ainda gramática gerativa, constituindo-se de uma corrente de estudos linguísticos iniciados nos Estados Unidos, no final da década de 50. Essa teoria surgiu como uma maneira de valorizar o aspecto formal da língua, o que a levou a ser considerada como teoria formalista.
A visão da língua, nessa perspectiva, foi idealizada pelo linguista Noam Chomsky, professor do Instituto de Tecnologia de Massachussets, o MIT. A literatura vê o ano de 1957 como o momento de surgimento do gerativismo, uma vez que, nesse ano, Chomsky publicou seu primeiro livro, Estruturas Sintáticas.

Nikolaj TrubetzkoyNikolaj Sergeyevich Trubetzkoy tinha título de Príncipe da Lituânia. O linguista e historiador russo ajudou a formar o núcleo da Escola de Praga de Linguística Estrutural. A ele é atribuída a fundação da morfofonologia. Sua contribuição para a área de fonologia é particularmente por suas análises dos sistemas fonológicos de línguas individuais e pela busca de um sistema geral e universal de leis fonéticas. Sua obra principal, Princípios da Fonologia, foi publicada postumamente.
Contudo, pode-se dizer que essa corrente de estudos de linguagem passou por diversas alterações e reformulações, refletidas na inquietação dos pesquisadores em organizar um modelo teórico formal baseado em ensinamentos matemáticos, apto a delinear e esclarecer o conceito e o funcionamento da linguagem humana de modo abstrato. O próprio Noam Chomsky preconiza que uma das razões para estudar a linguagem (exatamente a razão gerativista) - e para ele, pessoalmente, a mais premente delas - é a possibilidade instigante de ver a linguagem como um "espelho do espírito", como diz a expressão tradicional. Com isto, ele não queria apenas dizer que os conceitos expressados e as distinções desenvolvidas no uso normal da linguagem nos revelam os modelos do pensamento e o universo do "senso comum" construídos pela mente humana.
Mais instigante ainda, pelo menos para ele, é a possibilidade de descobrir, através do estudo da linguagem, princípios abstratos que governam sua estrutura e uso, princípios que são universais por necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de características mentais da espécie humana.

É instigante a possibilidade de descobrir, através do estudo da linguagem, princípios abstratos que governam sua estrutura e uso, universais por necessidade biológica e não acidente histórico

Antes da hipótese da Gramática Universal (GU) gerativa, enquanto conjunto das propriedades gramaticais comuns repartidas por todas as línguas naturais, assim como as diferenças que elas compartilham, a competência fonológica internalizada pelos falantes era o objeto de estudo de Noam Chomsky & Morris Halle sobre os modelos sonoros da língua inglesa publicados em seu livro no final dos anos sessenta.
Nessa perspectiva, as representações fonológicas atuavam como sequências lineares de segmentos e de junturas; um inventário dos níveis de representação e uma caracterização de cada um dos níveis; reconhece-se um nível abstrato (forma pura) contendo uma informação fonológica e morfológica e um nível sintático. Ao componente fonológico cabia a tarefa de atribuir uma interpretação fonética às descrições dos enunciados produzidas pelo componente sintático.
A LÍNGUA INSERIDA NUMA INTERAÇÃO SOCIAL
Já se tornou senso comum afirmar que o Estruturalismo capitaneou as correntes linguísticas subsequentes. Assim, seu principal teórico, Ferdinand de Saussure, pode ser considerado com o inspirador das demais correntes.
Assim, passou-se a ter como foco a função que os elementos linguísticos exerciam no sistema, sendo um grande avanço da linguística moderna.
Foi, então, proveniente do Estruturalismo que surgiu uma nova proposta de estudo. Tal proposta apregoa que as línguas não podem ser analisadas apenas como estruturas autônomas, separadas de seu uso, já que elas existem para estabelecer o diálogo, produto da comunicação entre falantes e ouvintes.

A base do Funcionalismo foi a Escola de Praga e uma de suas preocupações foi justamente conceituar a fonologia enquanto ciência, diferenciando-a metodologicamente da fonética
Com essa preocupação, percebe-se a noção de função, segundo a qual a língua é apreendida como um sistema funcional, isto é, o uso da língua é valorizado quando se destina a uma dada finalidade, o que implica dizer que a intenção do falante passa a ser fundamental para a compreensão e, pelo continuum, para o estabelecimento da comunicação.
A base do Funcionalismo foi a Escola de Praga e uma de suas preocupações foi justamente conceituar a fonologia enquanto ciência, diferenciando- a metodologicamente da fonética.
A referida escola comportava um grupo de autores que agregam o já conhecidoCírculo Linguístico de Praga, idealizado em 1926 pelo linguista Vilém Mathesius.
Entre os principais representantes do Funcionalismo, destacam-se os linguistas russos Nikolaj Trubetzkoy Roman Jakobson. Foi, portanto, a partir das perspectivas teóricas de Trubetzkoy que se desenvolveram as noções coligadas aos aspectos funcionais empregados na distinção entre fonética e fonologia.
Na visão da professoras e linguistas Fernanda Mussalim, da Universidade Federal de Uberlândia, e Ana Cristina Bentes, da Universidade Estadual de Campinas, foi no artigo La Phonologie Actuelle de Trubetzkoy, publicado em 1981, que o autor afirmou que a fonética visa ao que realmente é pronunciado na língua, enquanto a Fonologia trata o fonema como a imagem acústico-motora mais simples e significativa de uma língua.
Deste modo, na teoria funcionalista, a língua é um instrumento de comunicação, que a impede de ser considerada como autônoma, independente, mas como uma estrutura submetida às pressões procedentes dos atos comunicativos, que influenciam a estrutura língua e a inserem na sociedade, não só em relação à dicotomia fonética e fonologia, mas em outros processos de construção linguística.
ENTRE O FORMAL E O FUNCIONAL: DIÁLOGOS POSSÍVEIS?
A escolha dos modelos de análise linguística tem gerado muitas imprecisões devido às diferentes acepções sobre qual modelo seguir, principalmente no que diz respeito ao formalismo e ao funcionalismo.
Na visão de Mike Dillinger, professor da San Jose State University, Estados Unidos, o formalismo se constitui do estudo das formas linguísticas e o funcionalismo apregoa o significado e uso das formas linguísticas em atos comunicativos, ou seja, os formalistas tratam a língua exatamente como um sistema autônomo, enquanto os funcionalistas acreditam na inserção de elementos sociointeracionistas.
É por causa dessa disparidade de conceitos que começaram a surgir críticas entre os integrantes das duas perspectivas.
Os funcionalistas criticam os for malistas por estudarem a língua de maneira descontextualizada, sem levar em conta o tripé falante x ouvinte x contexto social, pois os adeptos do funcionalismo não acreditam no estudo da língua desvinculado de suas relações com a interação social. 
Círculo Linguístico de PragaO Círculo Linguístico de Praga, também conhecido como Escola de Praga, foi um grupo de críticos literários e linguistas, formando o múltiplo movimento chamado Formalismo Russo. O grupo durou de 1928 a 1939, se desfazendo após a Segunda Guerra Mundial. Seus membros estudavam semiótica e análise estruturalista. Entre os participantes, estavam Nikolai Trubetzkoy, Sergei Karcevskiy, René Wellek etc.
Em contrapartida, os formalistas não aceitam a inclusão de fenômenos psicológicos e sociológicos por parte dos funcionalistas, por acreditarem que tal atitude fere o princípio de autonomia da linguística em relação a outras ciências.
Porém, os adeptos de cada uma das correntes se justificam diante dessas divergências conceituais.
Noah Chomsky, por exemplo, vê a língua como fenômeno mental, derivado de uma linguística genética, responsável pela capacidade inata de aprender essa língua, o que confere a ela o status de autonomia. Enquanto isso, William Labov vê a língua como fenômeno social, derivada da universalidade dos usos que as sociedades humanas fazem dela, ou seja, é através da língua que são desenvolvidas necessidades e habilidades comunicativas da criança e da sociedade, justificando, então, que língua só poderia ser estudada em sua função social.
Com todos esses confrontos, vem à tona um questionamento: se as duas perspectivas analisam o mesmo fenômeno - a língua - o que explica as dissensões entre ambas há tanto tempo?
A questão é tratá-las não como autônomas, nem como alternativas, mas propor uma unificação das duas correntes, pois as diferenças entre elas não implicam a necessidade de excluírem-se mutuamente.
Em linguística, pensar em escolhas entre dicotomias acena uma forma limitada de pensar, de não distinguir uma forma que outros modelos podem oferecer para elevar o conhecimento linguístico, pois a preocupação maior deve ser, sim, com a competência comunicativa do falante, e são eles que devem ter o livre arbítrio de escolher entre os meios que a língua oferece.
Por Edmilson José de Sá
Fonte: http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/35/artigo255552-1.asp


Nenhum comentário:

Postar um comentário