Luiz Antônio Marcuschi
Leitura: perspectivas interdisciplinares)
1. NOSSO USO
DA LÍNGUA
Desenvolvemos
quatro habilidades no uso da língua: falar e escrever, ouvir e ler.
Não se
verifica uma distribuição eqüitativa do tempo no desempenho dessas atividades.
Geralmente os
exercícios da leitura e escrita são menores que as duas outras habilidades –
falar e ouvir.
O panorama
brasileiro sugere que a distribuição das condições e chances de acesso às
quatro habilidades é desproporcional.
Entretanto,
falar e escrever são, hoje, duas práticas sociais básicas em todas as
sociedades letradas, independentemente do tempo médio dispendido com elas.
Vejamos algumas propostas de reflexão sobre
a leitura e compreensão do texto oral como o do escrito elaboradas pelo autor:
1)
busca desmistificar a dicotomia radical entre oralidade
x escrita, já que a escrita tem traços da oralidade;
2)
a escrita não tem um valor intrínseco e autônomo,
distinguindo os indivíduos entre os incapazes de pensar logicamente (iletrados)
e os capazes de pensar logicamente (letrados);
3)
mostrar alguns mecanismos e fatores envolvidos na
atividade de compreensão do texto.
2. OUVIR E
LER COMO ATIVIDADES CRIATIVAS
Se, por um
lado, falar e escrever são duas formas de manifestação do uso
produtivo e criativo da língua; por outro, ouvir e ler não são
simples manifestações de um uso reprodutivo e passivo da língua.
Falar e
escrever, ouvir e ler são ações igualmente e a seu modo ativas, produtivas e
criativas.
Também é importante dizer que considerar
os processos de produção e recepção de texto como essencialmente independentes
é mal compreender o funcionamento comunicativo da língua.
A produção e
recepção de textos também não é um processo simétrico.
Outro detalhe: o processo de leitura e
compreensão de textos orais ou escritos é diferente.
Não podemos
ignorar a leitura dos textos orais. Um
exemplo citado pelo autor é o do texto oral do professor.
Chaudron e
Richards (1986) levantaram uma hipótese.
Eles falam da
existência de micromarcadores e macromarcadores.
a)
micro – “bem”, “olha”, “certo?”, “né” – não são típicos de um texto
formal e dão a impressão de desorganização discursiva;
b)
macro – “como vimos acima”, “passando para o
próximo ponto”, “em primeiro lugar” etc – são mais próprios para um evento
comunicativo tipo aula. Eles têm a propriedade de orientar, posicionar e
organizar porções discursivas;
c)
ausência total de marcadores – é pouco própria
do texto oral e pouco própria para ser ouvida.
Desde criança
iniciamos a interação lingüística através da oralidade. Mas há várias situações
comunicacionais onde usamos a oralidade. Cada situação exigirá aptidão e
competência específicas.
A passagem
para uma outra modalidade, a escrita, será ainda mais penosa.
3. RELAÇÕES
ENTRE A FALA E A ESCRITA
Há muitas
diferenças entre o texto falado e o texto escrito. Vejamos:
a)
fala
tende a ser plurissistêmica, com fatores organizacionais verbais e não-verbais;
escrita depende somente do
canal verbal;
b)
fala envolve
interação mais direta, com troca de falantes, pouca fixidez temática, maior
espontaneidade; escrita não
tem troca de falantes, tempo de produção não costuma coincidir com o tempo de
recepção, apresenta um caráter mais público, maior fixidez temática etc;
c)
fala
exibe maior redundância, repetições, autocorreções, marcadores ilucotutórios
etc; escrita tem uma outra
organização sintática, semântica e pragmática.
Baseado
nessas diferenças é próprio dizer que a escrita é descontextualizada; a fala
é contextualizada.
Isto não
significa, porém, que a escrita não seja contextualizada. Quer dizer que a
leitura do texto escrito requer um outro tipo de posicionamento do leitor.
Por isso,
Simons e Murphy vão falar em dependência situacional (para o texto oral) e
dependência contextual (para o texto escrito).
Leitores
pouco fluentes terão maior dificuldade de compreensão pela ausência de dicas contextuais exibidas pela fala. No
texto, terão de encontrar essas informações no interior do texto escrito,
buscando todo o sistema referencial.
Estes autores
dirão que as pessoas que usam uma linguagem marcadamente de dependência
situacional terão maior dificuldade na leitura do texto escrito.
Por outro
lado, o domínio da escrita e a consciência fonológica da língua passam a ter um
efeito sobre a própria fala.
4. O CASO DE
UM TEXTO CONVERSACIONAL ESCRITO
Trata-se de um exemplo presente na página
44.
Quando nos
defrontamos com texto destes, temos que desenvolver um esforço maior do que na
leitura desse mesmo texto num outro formato – crônica, por exemplo.
Compreendemos um texto conversacional,
muitas vezes, por inferência.
É fundamental entender que um texto não
tem inscrito em si todos os sentidos objetivamente; o leitor deve ser ativo,
produtivo e criativo em sua ação individual de ler.
5. O CASO DE
UM TEXTO SEM O SEU CONTEXTO
a) A
compreensão não se dá como fruto da simples apreensão do significado literal
das palavras e sentenças;
b)
Compreender uma sentença ou um texto exige mais do que situá-los em seus
contextos de ocorrência. Exige também uma contextualização cognitiva dependente
da própria organização dos conhecimentos e experiências pessoais.
6. O CASO DE
UM TEXTO COM ENDEREÇO CERTO MAS NÃO EXPRESSO
Alguns textos são produzidos para dizer algo
a alguém, mas de forma indireta.
Há elogios que são feitos para uma pessoa
visando confrontar outra (ex: p.47-48).
Para se efetivar leitura desses textos é
preciso recriar o que é omitido.
A comunicação
humana é amplamente baseada no que é omitido num discurso.
As pessoas
raramente especificam tudo o que pretendem comunicar. Em geral, especificam
apenas o suficiente para guiar o leitor ou ouvinte, que deve usar seus
conhecimentos e crenças para preencher os vazios.
7. O CASO DE
UM TEXTO CONVERSACIONAL
Por que não
nos indagamos se entendemos o que nosso companheiro de diálogo acablou de
dizer? Porque interagir face a face é produzir um texto em co-autoria
(feedback).
A compreensão
de textos orais exige-se muita capacidade inferencial (raciocínio lógico), o
que não parece faltar às pessoas.
8. ALGUMAS
CONDIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DE TEXTO
Temos sete condições. Vejamos na página 51.
O que podemos entender a partir dessas sete
condições?
A compreensão
não será fruto da simples compreensão dos significados literais. Não é uma
paráfrase da entrada original...
Compreender
um texto não é memorizar. Compreender é perceber relevâncias e estabelecer
relações entre várias coisas.
Compreensão
não é um jogo de adivinhações. É um processo complexo – envolve a percepção dos
elementos visuais, predição de hipóteses, confrontação etc.
Cada
leitor/ouvinte tem suas formas de perceber e selecionar relevâncias; o autor
não pode pretender controlar completamente estas atividades.
Com base nisso, podemos identificar
alguns fatores básicos que afetam a produção e compreensão de textos. Entre eles, vejamos os que foram
relacionados pelo autor na página 53:
Uma coisa é
interessante: não se pode supor um leitor ou ouvinte com ponto cognitivo zero.
--
Dascal
elaborou a “teoria da cebola semântica”. A significação de um enunciado
compor-se-ia de várias camadas superpostas:
a)
central (núcleo): o conteúdo proposicional:
b)
periférica: fatores que interferem na conversa;
c)
intermediárias: crenças individuais, conhecimentos de
mundo etc.
A boa ou má
compreensão dependeria da interação entre as várias camadas de significação.
O importante
desse modelo teórico é que ele sugere alguns aspectos que podem interferir na
compreensão.
O esforço
comunicativo se dará como um contrato entre os interectatantes, no qual são
providenciados modelos textuais e cognitivos que lhes permitem a construção de
sentidos compatíveis e aceitáveis.
A memória
controla e fundamenta todo o processo de compreensão. Uma informação nova não
faz sentido se não se situar em algum ponto preexistente.
Não se sabe
como os conhecimentos são organizados na memória, mas quando um leitor/ouvinte
entra em contato com um texto escrito ou oral, opera-se um confronto de duas
estruturas de conhecimento (a da memória e o “novo”).
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