Novo episódio do Podcast Papo Filosófico

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

LEITURA E COMPREENSÃO DE TEXTO FALADO E ESCRITO COMO ATO INDIVIDUAL DE UMA PRÁTICA SOCIAL



Luiz Antônio Marcuschi
Leitura: perspectivas interdisciplinares)

1. NOSSO USO DA LÍNGUA
Desenvolvemos quatro habilidades no uso da língua: falar e escrever, ouvir e ler.

Não se verifica uma distribuição eqüitativa do tempo no desempenho dessas atividades.

Geralmente os exercícios da leitura e escrita são menores que as duas outras habilidades – falar e ouvir.

O panorama brasileiro sugere que a distribuição das condições e chances de acesso às quatro habilidades é desproporcional.

Entretanto, falar e escrever são, hoje, duas práticas sociais básicas em todas as sociedades letradas, independentemente do tempo médio dispendido com elas.

Vejamos algumas propostas de reflexão sobre a leitura e compreensão do texto oral como o do escrito elaboradas pelo autor:

1)            busca desmistificar a dicotomia radical entre oralidade x escrita, já que a escrita tem traços da oralidade;
2)            a escrita não tem um valor intrínseco e autônomo, distinguindo os indivíduos entre os incapazes de pensar logicamente (iletrados) e os capazes de pensar logicamente (letrados);
3)            mostrar alguns mecanismos e fatores envolvidos na atividade de compreensão do texto.

2. OUVIR E LER COMO ATIVIDADES CRIATIVAS
Se, por um lado, falar e escrever são duas formas de manifestação do uso produtivo e criativo da língua; por outro, ouvir e ler não são simples manifestações de um uso reprodutivo e passivo da língua.

Falar e escrever, ouvir e ler são ações igualmente e a seu modo ativas, produtivas e criativas.

Também é importante dizer que considerar os processos de produção e recepção de texto como essencialmente independentes é mal compreender o funcionamento comunicativo da língua.

A produção e recepção de textos também não é um processo simétrico.

Outro detalhe: o processo de leitura e compreensão de textos orais ou escritos é diferente.

Não podemos ignorar a leitura dos textos orais. Um exemplo citado pelo autor é o do texto oral do professor.

Chaudron e Richards (1986) levantaram uma hipótese.

Eles falam da existência de micromarcadores e macromarcadores.
a)            micro – “bem”, “olha”, “certo?”, “né” – não são típicos de um texto formal e dão a impressão de desorganização discursiva;
b)            macro – “como vimos acima”, “passando para o próximo ponto”, “em primeiro lugar” etc – são mais próprios para um evento comunicativo tipo aula. Eles têm a propriedade de orientar, posicionar e organizar porções discursivas;
c)            ausência total de marcadores – é pouco própria do texto oral e pouco própria para ser ouvida.

Desde criança iniciamos a interação lingüística através da oralidade. Mas há várias situações comunicacionais onde usamos a oralidade. Cada situação exigirá aptidão e competência específicas.

A passagem para uma outra modalidade, a escrita, será ainda mais penosa.


3. RELAÇÕES ENTRE A FALA E A ESCRITA
Há muitas diferenças entre o texto falado e o texto escrito. Vejamos:
a)            fala tende a ser plurissistêmica, com fatores organizacionais verbais e não-verbais; escrita depende somente do canal verbal;
b)            fala envolve interação mais direta, com troca de falantes, pouca fixidez temática, maior espontaneidade; escrita não tem troca de falantes, tempo de produção não costuma coincidir com o tempo de recepção, apresenta um caráter mais público, maior fixidez temática etc;
c)            fala exibe maior redundância, repetições, autocorreções, marcadores ilucotutórios etc; escrita tem uma outra organização sintática, semântica e pragmática.

Baseado nessas diferenças é próprio dizer que a escrita é descontextualizada; a fala é contextualizada.

Isto não significa, porém, que a escrita não seja contextualizada. Quer dizer que a leitura do texto escrito requer um outro tipo de posicionamento do leitor.

Por isso, Simons e Murphy vão falar em dependência situacional (para o texto oral) e dependência contextual (para o texto escrito).

Leitores pouco fluentes terão maior dificuldade de compreensão pela ausência de dicas contextuais exibidas pela fala. No texto, terão de encontrar essas informações no interior do texto escrito, buscando todo o sistema referencial.

Estes autores dirão que as pessoas que usam uma linguagem marcadamente de dependência situacional terão maior dificuldade na leitura do texto escrito.

Por outro lado, o domínio da escrita e a consciência fonológica da língua passam a ter um efeito sobre a própria fala.


4. O CASO DE UM TEXTO CONVERSACIONAL ESCRITO
Trata-se de um exemplo presente na página 44.

Quando nos defrontamos com texto destes, temos que desenvolver um esforço maior do que na leitura desse mesmo texto num outro formato – crônica, por exemplo.

Compreendemos um texto conversacional, muitas vezes, por inferência.

É fundamental entender que um texto não tem inscrito em si todos os sentidos objetivamente; o leitor deve ser ativo, produtivo e criativo em sua ação individual de ler.

5. O CASO DE UM TEXTO SEM O SEU CONTEXTO
a) A compreensão não se dá como fruto da simples apreensão do significado literal das palavras e sentenças;

b) Compreender uma sentença ou um texto exige mais do que situá-los em seus contextos de ocorrência. Exige também uma contextualização cognitiva dependente da própria organização dos conhecimentos e experiências pessoais.

6. O CASO DE UM TEXTO COM ENDEREÇO CERTO MAS NÃO EXPRESSO
Alguns textos são produzidos para dizer algo a alguém, mas de forma indireta.

Há elogios que são feitos para uma pessoa visando confrontar outra (ex: p.47-48).

Para se efetivar leitura desses textos é preciso recriar o que é omitido.

A comunicação humana é amplamente baseada no que é omitido num discurso.

As pessoas raramente especificam tudo o que pretendem comunicar. Em geral, especificam apenas o suficiente para guiar o leitor ou ouvinte, que deve usar seus conhecimentos e crenças para preencher os vazios.

7. O CASO DE UM TEXTO CONVERSACIONAL
Por que não nos indagamos se entendemos o que nosso companheiro de diálogo acablou de dizer? Porque interagir face a face é produzir um texto em co-autoria (feedback).

A compreensão de textos orais exige-se muita capacidade inferencial (raciocínio lógico), o que não parece faltar às pessoas.

8. ALGUMAS CONDIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DE TEXTO
Temos sete condições. Vejamos na página 51.

O que podemos entender a partir dessas sete condições?

A compreensão não será fruto da simples compreensão dos significados literais. Não é uma paráfrase da entrada original...

Compreender um texto não é memorizar. Compreender é perceber relevâncias e estabelecer relações entre várias coisas.

Compreensão não é um jogo de adivinhações. É um processo complexo – envolve a percepção dos elementos visuais, predição de hipóteses, confrontação etc.

Cada leitor/ouvinte tem suas formas de perceber e selecionar relevâncias; o autor não pode pretender controlar completamente estas atividades.

Com base nisso, podemos identificar alguns fatores básicos que afetam a produção e compreensão de textos. Entre eles, vejamos os que foram relacionados pelo autor na página 53:

Uma coisa é interessante: não se pode supor um leitor ou ouvinte com ponto cognitivo zero.

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Dascal elaborou a “teoria da cebola semântica”. A significação de um enunciado compor-se-ia de várias camadas superpostas:
a)            central (núcleo): o conteúdo proposicional:
b)            periférica: fatores que interferem na conversa;
c)            intermediárias: crenças individuais, conhecimentos de mundo etc.

A boa ou má compreensão dependeria da interação entre as várias camadas de significação.

O importante desse modelo teórico é que ele sugere alguns aspectos que podem interferir na compreensão.

O esforço comunicativo se dará como um contrato entre os interectatantes, no qual são providenciados modelos textuais e cognitivos que lhes permitem a construção de sentidos compatíveis e aceitáveis.

A memória controla e fundamenta todo o processo de compreensão. Uma informação nova não faz sentido se não se situar em algum ponto preexistente.

Não se sabe como os conhecimentos são organizados na memória, mas quando um leitor/ouvinte entra em contato com um texto escrito ou oral, opera-se um confronto de duas estruturas de conhecimento (a da memória e o “novo”).

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